O paradoxo da vida: refletindo sobre amor, luto e existência
- Patrícia Azevedo
- 7 de ago. de 2024
- 4 min de leitura
Reflexões a partir da leitura do livro "Questão de Vida e Morte" de Marilyn e Irvin Yalom.
"O luto é o preço que pagamos por ter coragem de amar os outros." Essa é a frase de abertura do livro "Questão de Vida e Morte" de Marilyn e Irvin Yalom, um projeto interessante e emocionante que os autores desenvolveram diante do adoecimento e da morte iminente de Marilyn.
Refletindo sobre as dores emocionais e psicológicas humanas, percebo que grande parte delas ocorre quando está presente o amor. É por isso que escolho essa frase como a primeira coisa marcante que extraio dessa leitura. O luto existe e é significativo na medida em que o amor também está presente. Se não há amor, seja ele de qualquer natureza, não há luto nem dor.
Pensando além do amor, uma das reflexões mais importantes, significativas e desafiadoras que tenho feito sobre a vida é o que os Yalom chamam de "grande paradoxo da vida": despertamos para a vida justamente porque a morte nos alerta que não temos todo o tempo do mundo. A consciência de que nosso tempo nesta existência é finito nos leva a distinguir entre uma vida cotidiana, ligada às questões da sobrevivência e da rotina, e uma vida ontológica, ligada às questões da existência em si, onde se agrupam nossas reflexões sobre vida, morte, sentido, propósito, responsabilidade, liberdade e escolhas. A vida ontológica antecede e ancora a cotidiana, mas a segunda é muito mais perceptível e gerenciável do que a primeira. Observar a vida a partir de uma perspectiva ontológica pode ser fonte tanto de liberdade quanto de angústia extrema.
Acredito que só é possível interpretar a vida a partir dessa divisão devido ao fator tempo. Considerando que somos um intervalo de luz entre dois abismos, é importante escolher com cautela como viver esse tempo, para que ele não seja desperdiçado, embora desperdiçá-lo também seja uma escolha.
Aqui, me afasto clara e propositalmente de qualquer noção de vida após a morte. Embora cada leitor tenha sua convicção individual sobre o que vem depois da morte, a noção de eternidade pode nos distanciar da urgência de viver e fazer as melhores escolhas para o presente. Se tomamos por base a garantia de uma existência perene, somos capazes de atribuir a esta existência a importância que ela tem? Não correremos o risco de sentar e esperar a morte, lidando apenas com os problemas da vida cotidiana na esperança de algo melhor, e assim deixando de nos encarregar dos problemas da vida ontológica? Não é isso que faz a maioria das pessoas que recorrem à religião para atribuir sentido à sua existência? A morte é uma semente que carrega dentro de si toda a vida possível.
"Com a morte, não há acordos, somente a possibilidade de entender o que ela fez conosco todas as vezes em que testemunhamos sua passagem, levando alguém amado e deixando aquele resto amargo de saudade, de subtração de uma parte abissal em nós e da total incerteza sobre como seguir e construir um futuro no solo árido do desespero." - Alexandre Coimbra Amaral
Pensar a vida sob uma perspectiva ontológica gera muita angústia, pois um dos temas de reflexão mais significativos é a morte. Acredito que, de alguma maneira, todos tememos a morte e o morrer. Todos passamos por negação dela e evitamos, em algum momento, pensar sobre ela e incorporá-la em nossas vidas. Porém, pensar sobre a morte é também pensar sobre a vida para decidir como vivê-la. Yalom afirma, em diversas de suas obras, que é mais fácil enfrentar a morte se você tiver poucos arrependimentos na vida. Como ter poucos arrependimentos senão refletindo sobre ela enquanto existência, ao invés de apenas no cotidiano?
Uma lição importante sobre a vida, presente nos livros dos Yalom, é que somos desimportantes. O poder de angústia e de humildade contidos nesse aprendizado é enorme. Ser desimportante significa que, em uma ou duas gerações, ninguém mais vai se lembrar do seu nome ou do seu rosto. Ninguém pensará ou se lembrará de você como um ser material. A existência desvanece, e não aceitar isso é viver em autoengano. Sendo você um ser que se tornará inexistente e, por isso, irrelevante em algumas centenas de anos, pergunto: a vida da forma que você tem escolhido viver hoje tem algum significado para você? Você tem pensado nas coisas que deveria dar importância ou tem dado valor excessivo aos problemas cotidianos?
Espero que este texto não seja interpretado como autoajuda barata. Eu mesma não acredito na sublimação dos problemas. A vida cotidiana de trabalho, família, casa, estudos, carreira, transporte, trânsito, tempo livre ou falta dele, cachorro, gato, criança, status, poder econômico, etc., ocupam boa parte do nosso tempo prático. As questões ligadas principalmente à sobrevivência e à dignidade humana, como moradia, transporte, alimentação e segurança, não podem e não devem ser desconsideradas em momento algum. A proposta é comparar a natureza dos problemas de cada um sob uma ótica cotidiana e uma ontológica para, se possível, redefinir a importância e as ações tomadas acerca desses problemas.
Viver é algo particular - cada pessoa tem a sua e vive à própria maneira. O mesmo vale para a morte. Em um certo capítulo do livro, M. Yalom diz que "morrer é uma questão individual; não há morte que sirva para todos, mesmo para pessoas com a mesma doença" (2021, p.144). A princípio, achei a frase cativante, sem entender por quê. Quando refleti um pouco, me flagrei, em muitos momentos, tentando estabelecer um padrão de como as pessoas deveriam se sentir em relação a cada coisa, cada tipo de morte, cada doença. Ou mesmo, um padrão de como eu deveria me sentir. E já vi muitas pessoas fazendo a mesma coisa, se perguntando por que aquela pessoa agiu ou não agiu de determinada maneira, conforme era esperado. Queremos definir como cada pessoa experimenta sua vida e sua morte a partir de uma perspectiva que nos traga clareza ou conforto. Porém, não existe conforto suficiente para o fato de que a morte separa as pessoas de seus amores.
Ademais, é importante nos lembrarmos diariamente: quanto mais plenamente você vive sua vida, menos trágica é sua morte.
Referências
Yalom, I. D., & Yalom, M. (2021). Uma questão de vida e morte (1a ed., Vol. 1). Planeta.
Comments